A
comparação entre os resultados da Décima Quinta Conferência das Partes de 2009 (COP-15)
com os de sua Vigésima Primeira edição em 2015 (COP-21) denotam avanços essenciais
na área. Houve fortalecimento nas instituições internacionais voltadas para
abarcar modos sustentáveis de crescimento econômico e as florestas se tornam
cada vez mais um ativo econômico importante na prática dos negócios. Do ponto
de vista diplomático, essas possibilidades foram abertas pela mediação dos
franceses, que evitou problemas graves de Copenhagen, como o atrito entre
desenvolvidos e subdesenvolvidos, e enfatizou a comunhão do problema e da
solução.
Não
seria possível uma compreensão completa do teor dos textos sem o ambiente em
que foram aprovados. Dentre outros fatores, os avanços tecnológicos de fontes
renováveis trabalham como vetor e resultado de mais investimentos na área. Esse
circuito não seria possível para uma sociedade civil global que não o
demandasse e se faria bem mais difícil para uma que não se mobilizasse. A
disponibilidade de financiamento e tecnologia se combina à exigência
sustentável vista em gradações cada vez mais fortes no acordo redigido em
Paris, e com muito mais representatividade e engajamento que nas três
resoluções aprovadas na Dinamarca.
Da culpa à cooperação
Os
textos de Copenhagen estabelecem como objetivo de suas partes evitar que o
aumento da temperatura global ultrapasse dois graus Celsius. Já de início, o
encontro prova sua importância por conscientizar as principais lideranças
mundiais da nocividade do aquecimento. Antes um problema de cientistas, o clima
passou a ser um desafio e um patrimônio de toda a humanidade e ambas as
conferências fazem parte dos resultados dessa mobilização.
Uma
das muitas diferenças entre os textos, entretanto, é que o dinamarquês tinha
pouca ou nenhuma vinculação legal. É certo que raros são os documentos
aprovados nessa área que criem obrigações à altura de sua importância. Sem
embargo, o resultado da COP-15 é uma declaração técnica de teor político e nada
mais, apenas apoiado por um pequeno grupo de países. A conferência tinha a
urgente necessidade de manter o espírito de Kyoto vivo através de outro marco,
mas falhou nesse sentido e, apesar de reconhecer a importância de fortalecer o
protocolo em um programa de trabalho que deu-lhe sobrevida, passou grande parte
de sua principal responsabilidade para o encontro seguinte.
Os
documentos aprovados em Paris terão ecos mais fortes e criam um novo padrão
para o investimento em plantas energéticas, dando força aos projetos que usem
fontes renováveis. Juridicamente, o principal texto parisiense é vinculante e
passa a valer após a quinquagésima quinta adesão formal. Parte do que foi
acordado tem efeitos que devem servir de bússola para toda a próxima década de
20 e às próximas conferências sobre o clima. Outros dispositivos passam a valer
imediatamente, como aceleração do combate ao aquecimento global e preparação de
um mundo inaugurado em Paris.
Em
paralelo a esse conjunto de medidas, a COP-21 dispõe da “Paris Action Agenda”,
uma série de compromissos unilaterais e voluntários feitos por cidades,
empresários e corporações. Apesar de iniciativas similares terem ocorrido na
Dinamarca, o nível de mobilização global nos preparativos para Paris ajudou a
tornar as possíveis dissidências bem mais custosas. Tiveram destaque nesse
processo as passeatas que tomaram as principais metrópoles mundiais no ano da
COP-21. O protagonismo da sociedade civil recorrente nessa agenda contribui
para criar um ambiente favorável à implementação do que foi acordado e
desestimular iniciativas contrárias ao espírito ambicioso da conferência.
Além
dos fenômenos exógenos que afetaram as reuniões, a COP-15 teve problemas
gravíssimos com a estruturação das conversas. A começar pela fórmula adotada,
os dinamarqueses conduziram uma série de encontros bilaterais e multilaterais a
portas fechadas com um conjunto de 26 líderes. Apenas nos dias finais da
conferência o plenário pode debater amplamente os possíveis acordos. Em certa
medida, o modo dinamarquês não é diferente do seguido em outros encontros, mas
a percepção de falta de transparência incitou críticas dos que se sentiram
excluídos e fortaleceu a sensação de diferenças e de um clima de busca a
culpados ao invés de enfatizar o esforço comum. Durante os debates, o
representante venezuelano chegou a denunciar um coup d’état contra as Nações Unidas e serve de exemplo sobre como o
resultado da COP-15 não conseguiu engajar uma Sociedade Internacional bastante
cética tanto quanto a COP-21.
Do desengajamento à autonomia
Na
COP-15, o modo como as negociações foram conduzidas trazia um patamar que
precisava ser alcançado e os negociadores dividiriam entre os países o custo
para o sucesso. A COP-21, por sua vez, foi marcada pela autonomia que cada parte
teve para determinar metas particulares que fossem consideradas plausíveis para
cada circunstância nacional. Desse modo, a conferência parisiense possibilitou
um plano de ação que inclui o engajamento de diferentes atores internacionais,
desde países desenvolvidos a Estados em situação econômica menos favorável.
Mais uma vez, a percepção de otimismo atrelada aos documentos se deve muito
mais ao modo como o acordo foi confeccionado que a uma resolução realmente inesperada.
Outra
distinção da COP-21 é o comum acordo sobre um limite que deve ser dado às
emissões, apesar da liberdade para as políticas que serão adotadas para tanto.
Na conferência dinamarquesa, esses patamares não aparecem e, ao fim da
discussão, os países apenas se dispuseram a listar metas voluntárias de emissão
descoordenadas. A falta de um pico aceito por unanimidade também contribuiu
para comprometer o caráter vinculante do documento. Nessa questão, fenômenos
exógenos servem de melhor explicação para os avanços em Paris, por conta de uma
relativa falta de institucionalidade para iniciativas sustentáveis em 2009.
Importantes somas de liquidez para o tema através do Banco Mundial, por
exemplo, ainda não haviam sido disponibilizadas naquela época.
Fontes de financiamento
Em
relação aos fundos ambientais, os dois encontros se assemelham em muitos
pontos. Durante a COP-15, foi aprovada a arrecadação de 30 bilhões de países
ricos entre 2010 e 2012. Houve também o compromisso com a disponibilização de
100 bilhões anuais de atores estatais e não-estatais até 2020. Entretanto, os acordos
de Copenhagen não possuem a segurança dos sistemas de liquidez
institucionalizados ou bancários. Seria preciso muito mais para estabilizar a
economia de países em estágios de desenvolvimento menos avançados. O
crescimento sustentável nesses casos não seria possível sem coordenação macroeconômica
e sem o próprio crescimento.
A
situação que permeava a COP-21 era distinta, graças a avanços paralelos das
grandes instituições internacionais, como no citado Banco Mundial. Além disso,
as inovações tecnológicas de fontes sustentáveis tiveram um crescimento
exponencial desde 2009. O ano de 2014 entrou para a história das fontes
energéticas como a primeira vez em que os investimentos estruturais em fontes renováveis
ultrapassaram os novos aportes para o setor de combustíveis fósseis. Essa
configuração tem papel significativo para o resultado mais otimista adotado em
Paris, uma vez que a gestão ambiental seria uma tarefa impossível se não
estivesse acompanhada de avanços na economia.
Em
consonância a essas mudanças do cenário, ambas as COP tiveram papel de
amadurecer alternativas ao mundo do combustível fóssil. Seja por conta da
disponibilidade de liquidez que se repete em Paris ou pela mediação da
presidência francesa em discussões do G-20 em prol da conferência, um resultado
importante é a mobilização de capital de aporte a iniciativas pioneiras que
trabalhem com a ideia de mitigação das emissões. Graças à mobilização das
sociedades civis e a importância diplomática de encontros do tipo, a economia
mundial tem dado cada vez mais espaço para energias renováveis. Exemplos dessa
importância são que governos do mundo todo se empenham por incentivos a
projetos sustentáveis e grandes empresas de diversas áreas respondem,
assinalando sua preocupação em manter a publicidade de “eco-responsáveis”.
Florestas
No
resultado de ambas as conferências é possível notar explícito reconhecimento da
importância das florestas como meio mais barato e mais eficaz para conter os
avanços do aquecimento global. A primeira consequência dessa assunção é que o
espaço territorial verde, principalmente em países tropicais, deve ser visto
como um patrimônio mais valioso de pé que derrubado para agricultura ou
pecuária. Em contraste com as necessidades econômicas de desenvolvimento que
levaram à divisão entre Norte e Sul global na COP-15, era um grande desafio
para a COP-21 encontrar um terreno de entente.
O
principal dispositivo em resposta a esse problema vem sendo desenvolvido desde
há muito tempo e hoje é conhecido como REDD+. Em resumo, trata-se de uma
iniciativa internacional para tornar as florestas fontes de renda aos
detentores formais de seu território, através de arrecadações de países
industrializados que se transformem numa espécie de royalty, além do acesso a financiamento mais barato para atividades
econômicas não-prejudiciais. Esse mecanismo, incluído nos resultados da COP-21,
é uma benesse para Estados do Norte do Brasil e países que fazem fronteira com
a região, além de periferias sistêmicas, como o basin do Rio Congo.
O
REDD+ é resultado de anos de diálogo entre governos do mundo todo, comunidades
indígenas e empresários. Na COP-21, destacou-se a participação do Reino Unido,
da Alemanha e da Noruega como patrocinadores do projeto, disponibilizando
grandes vultos de liquidez para financiar uma alternativa rentável à derrubada
da floresta para a sociedade que vive em seu entorno. Esses países se
dispuseram a mobilizar 5 bilhões até 2020. Em reforço a essa iniciativa, o
Banco Mundial também deve aumentar seus ativos disponíveis para projetos
empresariais sustentáveis no continente africano em cerca de 16 bilhões.
Conclusão
Os
resultados da COP-21 são um divisor de águas, não por uma excepcionalidade
própria, mas pelo sucesso de ter-se chegado ao consenso numa reunião
multilateral por excelência. A conferência, com todo seu mérito, beneficiou-se
da coincidência com mudanças no panorama tecnológico e pela mobilização recorde
das massas nas ruas e através das redes sociais. A pressão cidadã flexiona os
governos a abrir portas para fontes alternativas de energia, mas ainda é
abissal a diferença entre os custos dessas inovações e os recursos da maioria
da população mundial. Com o volume de liquidez disponibilizado pelos dois
encontros, entretanto, o número de alternativas e negócios sustentáveis deve se
multiplicar e a demanda em alta pode, com o tempo, baratear o acesso, chegando
enfim a democratizá-lo.
As
mudanças na predisposição política representada pelo acordo na França são
animadoras, mas é preciso sobriedade para que o ritmo seja mantido em meio a
uma época em que o crescimento mundial patina. A imagem de uma reunião
bem-sucedida não esconde que a autonomia das metas pode deixar muitos governos
à vontade para assinar o acordo e não efetuar mudanças significativas. De todo
modo, a assinatura de acordos multilaterais como aconteceu na COP-21 pode
transformar o direito internacional ambiental e a necessidade de transições na
matriz energética de soft law em
fonte costumeira e jus cogens. Talvez
seja esse o principal avanço jurídico entre as duas conferências.
Já
sobre o aquecimento em si, independente do cumprimento à risca do pactuado em
Paris, é pouco provável que a meta de ter dois graus como teto seja atingida.
Apesar disso, é necessário continuar com a tendência de amadurecer mercados de
fontes sustentáveis, como o aumento (e barateamento) da produção de placas
solares, em parceria com a institucionalização da liquidez internacional para
projetos do tipo. Exemplos de como comunidades no Amazonas e em tantos outros
lugares conseguem autossuficiência energética graças ao Sol devem ser
incentivados pela diplomacia financeira, sempre presente nessas conferências.
Por fim, é preciso agir em outros fora
ambientais na questão do REDD+. Apesar de já bem encaminhado, o projeto ainda
tem muito a beneficiar os brasileiros e os cidadãos do mundo todo, preservando
nosso patrimônio natural.
Fontes
bibliográficas
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to COP21 – Crucial changes in the climate mitigation landscape. United
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[http://ourworld.unu.edu/en/cop15-to-cop21-crucial-changes-in-the-climate-mitigation-landscape].
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ALABASTER, Rose Osinde. Analysis of the Process, Outcomes and Implications of COP15/CMP5.
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[http://www.unep.org/roa/amcen/docs/AMCEN_Events/climate-change/COP15_Analysis.pdf].
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Disponível em:
[http://www.eea.europa.eu/highlights/cop15-outcomes-and-the-way-forward].
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MABEY, Nick; BURKE, Tom; GALLAGHER, Liz; BORN,
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[https://www.e3g.org/library/judging-cop21-outcome-and-whats-next-for-climate-action].
Última consulta em 08/03/2016.
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Disponível em:
[http://www.worldbank.org/en/news/feature/2015/12/18/outcomes-from-cop21-forests-as-a-key-climate-and-development-solution].
Última consulta em 08/03/2016.