quinta-feira, 7 de abril de 2016

Entre a COP15 e a COP21

A comparação entre os resultados da Décima Quinta Conferência das Partes de 2009 (COP-15) com os de sua Vigésima Primeira edição em 2015 (COP-21) denotam avanços essenciais na área. Houve fortalecimento nas instituições internacionais voltadas para abarcar modos sustentáveis de crescimento econômico e as florestas se tornam cada vez mais um ativo econômico importante na prática dos negócios. Do ponto de vista diplomático, essas possibilidades foram abertas pela mediação dos franceses, que evitou problemas graves de Copenhagen, como o atrito entre desenvolvidos e subdesenvolvidos, e enfatizou a comunhão do problema e da solução.
Não seria possível uma compreensão completa do teor dos textos sem o ambiente em que foram aprovados. Dentre outros fatores, os avanços tecnológicos de fontes renováveis trabalham como vetor e resultado de mais investimentos na área. Esse circuito não seria possível para uma sociedade civil global que não o demandasse e se faria bem mais difícil para uma que não se mobilizasse. A disponibilidade de financiamento e tecnologia se combina à exigência sustentável vista em gradações cada vez mais fortes no acordo redigido em Paris, e com muito mais representatividade e engajamento que nas três resoluções aprovadas na Dinamarca.

Da culpa à cooperação
Os textos de Copenhagen estabelecem como objetivo de suas partes evitar que o aumento da temperatura global ultrapasse dois graus Celsius. Já de início, o encontro prova sua importância por conscientizar as principais lideranças mundiais da nocividade do aquecimento. Antes um problema de cientistas, o clima passou a ser um desafio e um patrimônio de toda a humanidade e ambas as conferências fazem parte dos resultados dessa mobilização.
Uma das muitas diferenças entre os textos, entretanto, é que o dinamarquês tinha pouca ou nenhuma vinculação legal. É certo que raros são os documentos aprovados nessa área que criem obrigações à altura de sua importância. Sem embargo, o resultado da COP-15 é uma declaração técnica de teor político e nada mais, apenas apoiado por um pequeno grupo de países. A conferência tinha a urgente necessidade de manter o espírito de Kyoto vivo através de outro marco, mas falhou nesse sentido e, apesar de reconhecer a importância de fortalecer o protocolo em um programa de trabalho que deu-lhe sobrevida, passou grande parte de sua principal responsabilidade para o encontro seguinte.
Os documentos aprovados em Paris terão ecos mais fortes e criam um novo padrão para o investimento em plantas energéticas, dando força aos projetos que usem fontes renováveis. Juridicamente, o principal texto parisiense é vinculante e passa a valer após a quinquagésima quinta adesão formal. Parte do que foi acordado tem efeitos que devem servir de bússola para toda a próxima década de 20 e às próximas conferências sobre o clima. Outros dispositivos passam a valer imediatamente, como aceleração do combate ao aquecimento global e preparação de um mundo inaugurado em Paris.
Em paralelo a esse conjunto de medidas, a COP-21 dispõe da “Paris Action Agenda”, uma série de compromissos unilaterais e voluntários feitos por cidades, empresários e corporações. Apesar de iniciativas similares terem ocorrido na Dinamarca, o nível de mobilização global nos preparativos para Paris ajudou a tornar as possíveis dissidências bem mais custosas. Tiveram destaque nesse processo as passeatas que tomaram as principais metrópoles mundiais no ano da COP-21. O protagonismo da sociedade civil recorrente nessa agenda contribui para criar um ambiente favorável à implementação do que foi acordado e desestimular iniciativas contrárias ao espírito ambicioso da conferência.
Além dos fenômenos exógenos que afetaram as reuniões, a COP-15 teve problemas gravíssimos com a estruturação das conversas. A começar pela fórmula adotada, os dinamarqueses conduziram uma série de encontros bilaterais e multilaterais a portas fechadas com um conjunto de 26 líderes. Apenas nos dias finais da conferência o plenário pode debater amplamente os possíveis acordos. Em certa medida, o modo dinamarquês não é diferente do seguido em outros encontros, mas a percepção de falta de transparência incitou críticas dos que se sentiram excluídos e fortaleceu a sensação de diferenças e de um clima de busca a culpados ao invés de enfatizar o esforço comum. Durante os debates, o representante venezuelano chegou a denunciar um coup d’état contra as Nações Unidas e serve de exemplo sobre como o resultado da COP-15 não conseguiu engajar uma Sociedade Internacional bastante cética tanto quanto a COP-21.
Do desengajamento à autonomia
Na COP-15, o modo como as negociações foram conduzidas trazia um patamar que precisava ser alcançado e os negociadores dividiriam entre os países o custo para o sucesso. A COP-21, por sua vez, foi marcada pela autonomia que cada parte teve para determinar metas particulares que fossem consideradas plausíveis para cada circunstância nacional. Desse modo, a conferência parisiense possibilitou um plano de ação que inclui o engajamento de diferentes atores internacionais, desde países desenvolvidos a Estados em situação econômica menos favorável. Mais uma vez, a percepção de otimismo atrelada aos documentos se deve muito mais ao modo como o acordo foi confeccionado que a uma resolução realmente inesperada.
Outra distinção da COP-21 é o comum acordo sobre um limite que deve ser dado às emissões, apesar da liberdade para as políticas que serão adotadas para tanto. Na conferência dinamarquesa, esses patamares não aparecem e, ao fim da discussão, os países apenas se dispuseram a listar metas voluntárias de emissão descoordenadas. A falta de um pico aceito por unanimidade também contribuiu para comprometer o caráter vinculante do documento. Nessa questão, fenômenos exógenos servem de melhor explicação para os avanços em Paris, por conta de uma relativa falta de institucionalidade para iniciativas sustentáveis em 2009. Importantes somas de liquidez para o tema através do Banco Mundial, por exemplo, ainda não haviam sido disponibilizadas naquela época.
Fontes de financiamento
Em relação aos fundos ambientais, os dois encontros se assemelham em muitos pontos. Durante a COP-15, foi aprovada a arrecadação de 30 bilhões de países ricos entre 2010 e 2012. Houve também o compromisso com a disponibilização de 100 bilhões anuais de atores estatais e não-estatais até 2020. Entretanto, os acordos de Copenhagen não possuem a segurança dos sistemas de liquidez institucionalizados ou bancários. Seria preciso muito mais para estabilizar a economia de países em estágios de desenvolvimento menos avançados. O crescimento sustentável nesses casos não seria possível sem coordenação macroeconômica e sem o próprio crescimento.
A situação que permeava a COP-21 era distinta, graças a avanços paralelos das grandes instituições internacionais, como no citado Banco Mundial. Além disso, as inovações tecnológicas de fontes sustentáveis tiveram um crescimento exponencial desde 2009. O ano de 2014 entrou para a história das fontes energéticas como a primeira vez em que os investimentos estruturais em fontes renováveis ultrapassaram os novos aportes para o setor de combustíveis fósseis. Essa configuração tem papel significativo para o resultado mais otimista adotado em Paris, uma vez que a gestão ambiental seria uma tarefa impossível se não estivesse acompanhada de avanços na economia.
Em consonância a essas mudanças do cenário, ambas as COP tiveram papel de amadurecer alternativas ao mundo do combustível fóssil. Seja por conta da disponibilidade de liquidez que se repete em Paris ou pela mediação da presidência francesa em discussões do G-20 em prol da conferência, um resultado importante é a mobilização de capital de aporte a iniciativas pioneiras que trabalhem com a ideia de mitigação das emissões. Graças à mobilização das sociedades civis e a importância diplomática de encontros do tipo, a economia mundial tem dado cada vez mais espaço para energias renováveis. Exemplos dessa importância são que governos do mundo todo se empenham por incentivos a projetos sustentáveis e grandes empresas de diversas áreas respondem, assinalando sua preocupação em manter a publicidade de “eco-responsáveis”.
Florestas
No resultado de ambas as conferências é possível notar explícito reconhecimento da importância das florestas como meio mais barato e mais eficaz para conter os avanços do aquecimento global. A primeira consequência dessa assunção é que o espaço territorial verde, principalmente em países tropicais, deve ser visto como um patrimônio mais valioso de pé que derrubado para agricultura ou pecuária. Em contraste com as necessidades econômicas de desenvolvimento que levaram à divisão entre Norte e Sul global na COP-15, era um grande desafio para a COP-21 encontrar um terreno de entente.
O principal dispositivo em resposta a esse problema vem sendo desenvolvido desde há muito tempo e hoje é conhecido como REDD+. Em resumo, trata-se de uma iniciativa internacional para tornar as florestas fontes de renda aos detentores formais de seu território, através de arrecadações de países industrializados que se transformem numa espécie de royalty, além do acesso a financiamento mais barato para atividades econômicas não-prejudiciais. Esse mecanismo, incluído nos resultados da COP-21, é uma benesse para Estados do Norte do Brasil e países que fazem fronteira com a região, além de periferias sistêmicas, como o basin do Rio Congo.
O REDD+ é resultado de anos de diálogo entre governos do mundo todo, comunidades indígenas e empresários. Na COP-21, destacou-se a participação do Reino Unido, da Alemanha e da Noruega como patrocinadores do projeto, disponibilizando grandes vultos de liquidez para financiar uma alternativa rentável à derrubada da floresta para a sociedade que vive em seu entorno. Esses países se dispuseram a mobilizar 5 bilhões até 2020. Em reforço a essa iniciativa, o Banco Mundial também deve aumentar seus ativos disponíveis para projetos empresariais sustentáveis no continente africano em cerca de 16 bilhões.
Conclusão
Os resultados da COP-21 são um divisor de águas, não por uma excepcionalidade própria, mas pelo sucesso de ter-se chegado ao consenso numa reunião multilateral por excelência. A conferência, com todo seu mérito, beneficiou-se da coincidência com mudanças no panorama tecnológico e pela mobilização recorde das massas nas ruas e através das redes sociais. A pressão cidadã flexiona os governos a abrir portas para fontes alternativas de energia, mas ainda é abissal a diferença entre os custos dessas inovações e os recursos da maioria da população mundial. Com o volume de liquidez disponibilizado pelos dois encontros, entretanto, o número de alternativas e negócios sustentáveis deve se multiplicar e a demanda em alta pode, com o tempo, baratear o acesso, chegando enfim a democratizá-lo.
As mudanças na predisposição política representada pelo acordo na França são animadoras, mas é preciso sobriedade para que o ritmo seja mantido em meio a uma época em que o crescimento mundial patina. A imagem de uma reunião bem-sucedida não esconde que a autonomia das metas pode deixar muitos governos à vontade para assinar o acordo e não efetuar mudanças significativas. De todo modo, a assinatura de acordos multilaterais como aconteceu na COP-21 pode transformar o direito internacional ambiental e a necessidade de transições na matriz energética de soft law em fonte costumeira e jus cogens. Talvez seja esse o principal avanço jurídico entre as duas conferências.
Já sobre o aquecimento em si, independente do cumprimento à risca do pactuado em Paris, é pouco provável que a meta de ter dois graus como teto seja atingida. Apesar disso, é necessário continuar com a tendência de amadurecer mercados de fontes sustentáveis, como o aumento (e barateamento) da produção de placas solares, em parceria com a institucionalização da liquidez internacional para projetos do tipo. Exemplos de como comunidades no Amazonas e em tantos outros lugares conseguem autossuficiência energética graças ao Sol devem ser incentivados pela diplomacia financeira, sempre presente nessas conferências. Por fim, é preciso agir em outros fora ambientais na questão do REDD+. Apesar de já bem encaminhado, o projeto ainda tem muito a beneficiar os brasileiros e os cidadãos do mundo todo, preservando nosso patrimônio natural.
Fontes bibliográficas
ARNDT, Channing. COP15 to COP21 – Crucial changes in the climate mitigation landscape. United Nations University. 17/11/2015. Disponível em: [http://ourworld.unu.edu/en/cop15-to-cop21-crucial-changes-in-the-climate-mitigation-landscape]. Última consulta em 08/03/2016.
ALABASTER, Rose Osinde. Analysis of the Process, Outcomes and Implications of COP15/CMP5. Briefing note for AMCEN Secretariat. 2010. Disponível em: [http://www.unep.org/roa/amcen/docs/AMCEN_Events/climate-change/COP15_Analysis.pdf]. Última consulta em 08/03/2016.
European Environment Agency. COP15 outcomes and the way forwards. 20/01/2010. Disponível em: [http://www.eea.europa.eu/highlights/cop15-outcomes-and-the-way-forward]. Última consulta em 08/03/2016.
MABEY, Nick; BURKE, Tom; GALLAGHER, Liz; BORN, Camilla; KEWLEY, Bryn. Judging the COP21 outcome and what’s next for climate action. 18/01/2016. Disponível em: [https://www.e3g.org/library/judging-cop21-outcome-and-whats-next-for-climate-action]. Última consulta em 08/03/2016.

World Bank. Outcomes from COP21 - Forests as a Key Climate and Development Solution. 18/12/2015. Disponível em: [http://www.worldbank.org/en/news/feature/2015/12/18/outcomes-from-cop21-forests-as-a-key-climate-and-development-solution]. Última consulta em 08/03/2016.