sábado, 13 de novembro de 2010

Yakuza e outros "japas"

Durante muito tempo, Kon Yu-Leung foi um bem-sucedido imigrante chinês nos EUA. Nascido numa família pobre da China de Mao Tsé-tung, mudou-se para a América nos anos 70, depois que sua empresa de exportação de peles prosperou. Mas foi no novo país que ele enriqueceu de vez, importando peles e relógios.
Até que, em 1989, o FBI – a polícia federal americana – descobriu o que havia por trás de sua impressionante ascensão: desde a sua chegada, Kon organizara sob a fachada da empresa o maior esquema de tráfico de heroína do país. A maracutaia só foi descoberta graças à denúncia de um soldado das tríades chinesas – organizações criminosas que estão entre as mais tradicionalistas e poderosas do mundo. Kon nada mais era do que o líder de um desses grupos.
O crime organizado é uma gigantesca rede mundial de sociedades como as tríades, secretas por opção e necessidade. Sob as barbas da polícia, elas movimentam centenas de bilhões de dólares por ano com todo tipo de negócio ilegal, do tráfico de drogas e seres humanos à pirataria. Embora o cinema, e eu também, prefira chefões italianos e gângsteres americanos, são as máfias asiáticas que estão entre as mais violentas e perigosas do mundo apesar de não enxergarem muito bem.


HOMENS DE HONLA
A maior organização criminosa do planeta, por exemplo, é a Yamaguchi-gumi, uma das famílias da Yakuza, no Japão. Cerca de 45% dos 87 mil mafiosos japoneses estão sob o seu comando. Segundo a polícia, dois terços dos homicídios com arma de fogo no país são atribuídos a ela. Sua origem remonta ao século 17, quando samurais desempregados e mascates armados começaram a se associar para roubar ou vender proteção.
Com a industrialização, no final do século 19, a Yakuza passou a controlar portos e aliou-se a grupos ultranacionalistas, contrários ao processo de democratização pelo qual o Japão passava. Foi nessa época que surgiram as principais famílias que constituem a moderna máfia japonesa. Depois da 2ª Guerra Mundial, os negócios foram expandidos para todo tipo de atividade ilícita, especialmente tráfico de drogas e armas, fraudes financeiras,extorsão de empresas e políticos, prostituição e casas de apostas.
Os integrantes da Yakuza são conhecidos pelo corpo coberto de irezumis, as tradicionais tatuagens japonesas. Aqueles que saem da linha podem ser identificados pelos dedos – ou melhor, pela falta deles. O castigo clássico da organização é o yubitsume, que consiste em decepar a ponta do próprio dedo a cada erro cometido. Desobedecer ao chefe ou assediar a mulher de outro integrante da sociedade são alguns dos motivos mais comuns para a punição. A automutilação simboliza a capacidade de suportar a dor, em sinal de arrependimento.
Quando fazem alianças ou iniciam um novo integrante, os mafiosos da Yakuza bebem saquê do mesmo copo – selando uma relação fortemente hierarquizada e de absoluta submissão ao chefe. Ao ingressar no grupo, o novato jura lealdade e respeito à “família”, além de segredo total sobre suas atividades.
Pode apostar: um gângster japonês, em dia de acerto de contas, meteria medo até em Al Capone, deixaria Vito Corleone no chinelo e colocaria qualquer mafioso russo para correr. Mesmo assim, ainda não é o máximo de terror que o universo do crime organizado tem a oferecer. Barra-pesada mesmo são as tríades chinesas, das quais pouco se fala no Ocidente. Elas são sociedades secretas ainda mais perversas que a Yakuza. E estão se espalhando pelo mundo.
Assim como a Yakuza, as tríades chinesas nasceram no século 17, quando exércitos da Manchúria invadiram a capital, Pequim, dando fim à dinastia Ming e inaugurando sua sucessora, a dinastia Qing. Um belo dia, o segundo imperador manchu precisou controlar uma revolta na cidade de Fukien e decidiu pedir ajuda a um grupo de monges budistas do templo Siu Lam, ou Shaolim, especialistas em artes marciais. Eles sufocaram a rebelião e receberam privilégios imperiais em contrapartida, despertando um ciúme literalmente mortal por parte da corte. Acabaram sendo vítimas de um atentado, do qual apenas 5 escaparam vivos. Esses 5 monges decidiram, então, se espalhar pela China e criaram em cada lugar uma sociedade secreta dedicada a derrubar a dinastia Qing.
Durante os 3 séculos seguintes, as tríades combateram aquela que seria a última dinastia imperial da China. A Qing só acabou em 1911, com uma revolução que transformou o império em república. Seu fundador, Sun Yat Sen, era um antigo aliado das máfias – já tinha contado com a colaboração delas numa rebelião anterior, em 1906. Alguns líderes do novo regime eram até integrantes das tríades. Àquela altura, esses grupos já tinham muita experiência em atividades criminosas. Agora, com amigos instalados no poder, expandiriam seus negócios num ritmo frenético, enfrentando pouca ou nenhuma repressão.
Os dias de prosperidade só seriam interrompidos em 1949, com a revolução comunista liderada por Mao Tsé-tung. O combate ao crime organizado tornou-se tão intenso a partir dali que fez surgir uma máfia dedicada exclusivamente a derrubar o novo governo: a 14K. Ela está na ativa até hoje, mas já não se pauta por objetivos políticos. Transformou-se numa das maiores tríades do mundo, com cerca de 20 mil integrantes. Hoje, ela prefere tolerar o comunismo enquanto fatura centenas de milhões de dólares ano após ano.
Mao não conseguiu acabar com as máfias chinesas porque, entre outros motivos, elas fugiram da repressão migrando para Hong Kong e Macau – protetorados britânico e português, respectivamente, devolvidos à China apenas em 1997 e 1999. É por isso que as principais tríades chinesas em atividade estão baseadas nesses dois lugares. Somente no centro financeiro de Hong Kong, estima-se que existam cerca de 50 grupos.
AMEAÇA INTERNACIONAL
Em todos os lugares do mundo onde conseguiram se estabelecer, as tríades se revelaram uma tremenda preocupação para as autoridades – dada a variedade de negócios criminosos que elas operam. Em 1999, quando Portugal preparava a devolução de Macau à China, as máfias entraram em guerra pelo controle dos 10 cassinos (principal fonte de divisas do território). Com o reforço de 10 mil policiais chineses, a polícia local conseguiu controlar a situação, mas não evitou uma carnificina. Até o fim daquele ano, pelo menos 40 pessoas morreram.
Em 2002, foi a vez de a Inglaterra enfrentar um surto de violência nos bairros chineses de suas principais cidades, com brigas de rua envolvendo dezenas de pessoas. Numa delas, um jovem foi parar no hospital gravemente ferido com um cutelo – aquela “machadinha” de açougueiro, a mais tradicional das armas usadas pelas tríades. A seqüência de choques violentos levou a Scotland Yard a realizar buscas em restaurantes suspeitos de manter ligações com as 4 máfias chinesas instaladas no país: 14K, Wo Shing Wo, Sun Yee On e Snakehead (“Cabeça de Cobra”). Num deles, encontraram cutelos, gás de pimenta, 4 revólveres, uma pistola automática e um fuzil AK-47. Entre as principais atividades das tríades no Reino Unido estão a imigração ilegal e o tráfico de seres humanos.
Nos EUA, um dos negócios mais lucrativos das máfias chinesas é justamente a imigração ilegal. Segundo o FBI, as tríades faturam US$ 15 mil com cada chinês que elas conseguem passar ilegalmente pelas fronteiras. Alguns desses imigrantes são criminosos perseguidos na China, que desembarcam na América dispostos a escalar a hierarquia do grupo ao qual já pertenciam em seu país. Outros são simples trabalhadores, que entregaram às mãos de um mafioso a economia de uma vida inteira em troca da promessa de trabalho legal nos EUA. Quando chegam ao destino, a maioria descobre que está condenada a ser clandestina enquanto permanecer em solo americano.
Não é à toa que especialistas em crime organizado consideram as tríades chinesas uma das grandes ameaças à segurança mundial nos próximos anos. Cerca de 90% do tráfico internacional de heroína passa por elas. 
Aos interessados no assunto recomendo o livro Dragon Syndicates: The Global Phenomenon of the Triads (“Sindicatos do Dragão: O Fenômeno Global das Tríades”) de Martin Booth.