terça-feira, 8 de março de 2011

Mohamed Bouazizi

Não teve pra Lula nem pra Obama, o Nobel da Paz por ter feito nada. Também foi bem longe de Dilma, e não ele não é o "anticristo". O maior herói e mais importante personagem de 2010 foi um vendedor de frutas, ambulante e sem licença, natural de Sidi Bouzid, no interior da Tunísia. Chamava-se Mohamed Bouazizi e tinha 26 anos quando morreu.
Bouazizi mostrou que dar sua vida pela alheia pode mesmo dar resultados, é bem certo que não foi ele que inventou essa "moda" (houveram mais 12 casos registrados no Egito), mas como sempre impressionou. No Vietnã de 1963, Thích Quảng Đức desceu do convento e, com toda a calma que se espera de um monge budista, imolou-se na praça mais movimentada de Saigon. Kennedy admitiu que a imagem daquele corpo se consumindo abalou o mundo. Na Tchecoslováquia de 1969, Jan Palach, estudante de filosofia, escolheu que sua existência não passaria dos 21 anos. De que valia viver sob o jugo soviético?
Algo na morte de Bouazizi é diferente. Talvez porque ele nem era um religioso preparado para o outro mundo, nem fez um pacto, como Palach, aliás descumprido por quase todos os colegas. Na manhã do dia em que se incendiou, Bouazizi não queria morrer, queria trabalhar. Teria preferido a dignidade de exercer sua profissão, era técnico em informática, mas se a ditadura tunisiana não lhe oferecia as condições econômicas para isso, sujeitava-se a vender frutas sem licença.
Nem isso a ditadura tunisiana lhe concederia. Tampouco a dignidade de ser abordado respeitosamente pela polícia. Bouazizi morreu porque não podia trabalhar, não podia sobreviver e não podia aceitar a humilhação de levar uma bofetada diante do confisco de sua mercadoria. O que ele tinha para pensar? Que espaço sobrava para a reflexão? O que diria para os produtores que lhe cobrariam pelo prejuízo? Como passaria o mês sem recursos? Humilhado, devendo, desesperado e sufocado pelo regime, seu único recurso era o imediato.
Daí por diante, a história é conhecida. O caso ganhou a mídia independente após ganhar a rede divulgado pelo Wikileaks, apesar de esforços do tirano os tunisianos acordaram, 400 foram massacrados pela polícia, mas o ditador Ben Ali caiu. Os egípcios se inspiraram e passaram dezoito dias ao ar livre, apanhando de capangas da tirania e suportando um discurso vacilante do poder apodrecido e Mubarak também caiu.
Mas voltando a Mohamed Bouazizi, o que seu suicídio tem de único é que foi um gesto de respeito a vida, pela sua que a muito havia sido tirada e pela de seus compatriotas, note que não houve derramamento de sangue de outros inocentes. Bouazizi não precisou explodir uma sinagoga ou uma escola, ele deu uma aula em muitos Hesbs de Allah não só no ato mas também em seus efeitos derrubando uma opressão que parecia não ter data para cair. Coisa de quem tinha o caos dentro de si, o suficiente para gerar uma revolução que vai entrar para a história.
Pode parecer sádico, mas este será um belo "conto" contado na África e no Oriente Médio durante muito tempo. Bouazizi morreu porque sua vida não cabia na lata de sardinha que a tirania lhe oferecia. Ele sabia disso, como o sabiam ou ao menos intuíam seus antecessores vietnamita e tcheco. Sua vida vibrava de dentro para fora. Humilhação, frustração, aniquilamento, ele não merecia aquilo.
Na verdade, ninguém merece. Mas foi necessária a explosão de uma vida para incendiar centenas de milhões de outras almas, filhas, netas e bisnetas de gente que até então não conheciam muitas outras palavras a fundo. Só humilhação, frustração, aniquilamento. Bouazizi morreu e deu vida para quem estava amortecido sem muitas perspectivas. O povo tunisiano entendeu seu protesto e partiu para mudar o mundo. Outros morreram, mas nada mais poderia pará-los: é impossível morrer mais do que o primeiro herói.
Talvez muitos pensem que Bouazizi foi um louco mas ele nos ensinou que fazemos pouco caso de algo que vale até a vida, ou a morte. Nós temos a democracia, a liberdade para escolher nossos líderes, pode parecer pouco, mas faz muito sentido para os jovens da geração de Mohamed Bouazizi. Por isso seu povo lhe agradece muitos o admiram pela sua coragem assim deixo a frase que melhor define a Revolução de Jasmim.
Bouazizi morreu em nome da vida, mesmo que fosse a vida dos outros.