quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Pobres Comrades Imperialistas

Dificilmente a eleição presidencial iraniana foi um processo inteiramente justo. Sobraram denúncias de que os apoiadores de Mahmoud Ahmadinejad usaram métodos pouco democráticos para assegurar a vitória do atual líder. Nada que se compare à idade da pedra institucional de uma Arábia Saudita, mas denúncias preocupantes, ainda assim.
Assim, quando Ahmadinejad diz que sua vitória foi a expressão da “voz do povo”, podemos detectar um traço de hipocrisia. Mas menor do que aquele que salta dos discursos dos mandatários israelenses ao lamentarem a reeleição de seu arquiinimigo (será que lamentam mesmo?). Eles sim, entendem de democracia. A cada Arafat que mantém em cárcere privado até a morte, conseguem abrir espaço para um Hamas vencer eleições. A cada chuva de bombas que fazem cair no sul do Líbano, unem um país rachado em torno dos terroristas do Hezboláh.
Danny Ayalon uma vez disse: “Se havia alguma sombra de esperança de mudança no Irã, eis aqui a reeleição de Ahmadinejad, que significa o aumento da ameaça iraniana”. Os números das urnas, afirmou Silvan Shalom, ministro de Cooperação Regional, “explodem na cara daqueles que pensavam que o Irã estava pronto para o diálogo verdadeiro com o mundo livre”. Parece que estão comemorando ou é só impressão minha?
Mas suponhamos que haja indignação geral e irrestrita.
Como se durante toda a década de 1990 Israel não tivesse trabalhado para que os estadunidenses não tomassem qualquer decisão errada diante das ofertas de aproximação dos líderes iranianos. Akbar Rafsanjani, eleito em 1989, passou a comandar um país recém-saído de uma guerra violentíssima com o Iraque (então apoiado pelos EUA). Com o exército aos frangalhos, desejava trégua com o Ocidente. Mas aí por 1993 o primeiro ministro israelense Yitzhak Rabin mexeu os pauzinhos para que Washington mantivesse e aumentasse sua presença militar no Oriente Médio, medida mal vista tanto por Irã quanto por Iraque – de fato, por todo o povo árabe.
Em maio de 1997, Mohammad Khatami foi eleito. Iria além do antecessor na tentativa de aproximar seu país dos EUA. No início de 1998, em entrevista à CNN, falou bem do “grande povo americano”, garantiu que seu país não estava disposto a praticar atos hostis e clamou pelo fim das desconfianças. Aceitou a presença do estado de Israel na área palestina histórica, exigindo apenas sua retirada dos territórios ocupados em 1967 e a criação do estado da Palestina – nada que inúmeras resoluções da ONU já não tenham exigido com maior vigor (e incomparável ineficácia).
Em abril de 2003, mal Bagdá havia caído, o embaixador de Israel em Washington dizia que a derrubada de Saddam não era o bastante. Mirava em Teerã. Em novembro de 2002, Ariel Sharon, cujas credenciais pacifistas são mundialmente conhecidas, afirmou em entrevista ao Times londrino que o Irã era o “centro do terror mundial”. Foi essa política de confrontação cega com presidentes moderados do Irã (moderados pelo menos em relação a Ahmadinejad; certamente em relação a quase todos os líderes que Israel já teve desde sua fundação), somada à defesa da “mudança de regime” por parte de Israel e de seus aliados nos EUA, que afinal fez com que Ahmadinejad angariasse suporte e, com um discurso radical de enfrentamento, fosse eleito pela primeira vez, em 2005.


E se agora, ao invés da reeleição, Hossein Mousavi, o oponente de Ahmadinejad, tivesse vencido o pleito? Nenhuma diferença, garantiu Danny Ayalon, para quem não havia mesmo grandes diferenças entre os dois. Ou, nas palavras do racista Avigdor Lieberman: “O problema do Irã não é de natureza pessoal”.
Portanto, já fiquem avisados: qualquer abertura ao diálogo que a presidência do Irã ofereça nos próximos meses ao presidente Obama será pura máscara. Não se iludam se Ahmadinejad exigir do presidente estadunidense apoio efetivo para a criação de um estado palestino viável em troca da cooperação do regime xiita na luta contra a Al-Qaeda – como fez a Síria e o próprio Irã após os atentados de 2001 em Nova York, ajudando na queda dos talibãs no Afeganistão. Tudo será lábia, jogo de cintura para esconder seus reais objetivos, a saber, a aniquilação do "indefeso" estado de Israel. Sarcasmo mode: on