Dificilmente a eleição presidencial iraniana foi um processo inteiramente justo. Sobraram denúncias de que os apoiadores de Mahmoud Ahmadinejad usaram métodos pouco democráticos para assegurar a vitória do atual líder. Nada que se compare à idade da pedra institucional de uma Arábia Saudita, mas denúncias preocupantes, ainda assim.Assim, quando Ahmadinejad diz que sua vitória foi a expressão da “voz do povo”, podemos detectar um traço de hipocrisia. Mas menor do que aquele que salta dos discursos dos mandatários israelenses ao lamentarem a reeleição de seu arquiinimigo (será que lamentam mesmo?). Eles sim, entendem de democracia. A cada Arafat que mantém em cárcere privado até a morte, conseguem abrir espaço para um Hamas vencer eleições. A cada chuva de bombas que fazem cair no sul do Líbano, unem um país rachado em torno dos terroristas do Hezboláh.
Danny Ayalon uma vez disse: “Se havia alguma sombra de esperança de mudança no Irã, eis aqui a reeleição de Ahmadinejad, que significa o aumento da ameaça iraniana”. Os números das urnas, afirmou Silvan Shalom, ministro de Cooperação Regional, “explodem na cara daqueles que pensavam que o Irã estava pronto para o diálogo verdadeiro com o mundo livre”. Parece que estão comemorando ou é só impressão minha?Mas suponhamos que haja indignação geral e irrestrita.
Como se durante toda a década de 1990 Israel não tivesse trabalhado para que os estadunidenses não tomassem qualquer decisão errada diante das ofertas de aproximação dos líderes iranianos. Akbar Rafsanjani, eleito em 1989, passou a comandar um país recém-saído de uma guerra violentíssima com o Iraque (então apoiado pelos EUA). Com o exército aos frangalhos, desejava trégua com o Ocidente. Mas aí por 1993 o primeiro ministro israelense Yitzhak Rabin mexeu os pauzinhos para que Washington mantivesse e aumentasse sua presença militar no Oriente Médio, medida mal vista tanto por Irã quanto por Iraque – de fato, por todo o povo árabe.
Em maio de 1997, Mohammad Khatami foi eleito. Iria além do antecessor na tentativa de aproximar seu país dos EUA. No início de 1998, em entrevista à CNN, falou bem do “grande povo americano”, garantiu que seu país não estava disposto a praticar atos hostis e clamou pelo fim das desconfianças. Aceitou a presença do estado de Israel na área palestina histórica, exigindo apenas sua retirada dos territórios ocupados em 1967 e a criação do estado da Palestina – nada que inúmeras resoluções da ONU já não tenham exigido com maior vigor (e incomparável ineficácia).
Em abril de 2003, mal Bagdá havia caído, o embaixador de Israel em Washington dizia que a derrubada de Saddam não era o bastante. Mirava em Teerã. Em novembro de 2002, Ariel Sharon, cujas credenciais pacifistas são mundialmente conhecidas, afirmou em entrevista ao Times londrino que o Irã era o “centro do terror mundial”. Foi essa política de confrontação cega com presidentes moderados do Irã (moderados pelo menos em relação a Ahmadinejad; certamente em relação a quase todos os líderes que Israel já teve desde sua fundação), somada à defesa da “mudança de regime” por parte de Israel e de seus aliados nos EUA, que afinal fez com que Ahmadinejad angariasse suporte e, com um discurso radical de enfrentamento, fosse eleito pela primeira vez, em 2005.E se agora, ao invés da reeleição, Hossein Mousavi, o oponente de Ahmadinejad, tivesse vencido o pleito? Nenhuma diferença, garantiu Danny Ayalon, para quem não havia mesmo grandes diferenças entre os dois. Ou, nas palavras do racista Avigdor Lieberman: “O problema do Irã não é de natureza pessoal”.
Portanto, já fiquem avisados: qualquer abertura ao diálogo que a presidência do Irã ofereça nos próximos meses ao presidente Obama será pura máscara. Não se iludam se Ahmadinejad exigir do presidente estadunidense apoio efetivo para a criação de um estado palestino viável em troca da cooperação do regime xiita na luta contra a Al-Qaeda – como fez a Síria e o próprio Irã após os atentados de 2001 em Nova York, ajudando na queda dos talibãs no Afeganistão. Tudo será lábia, jogo de cintura para esconder seus reais objetivos, a saber, a aniquilação do "indefeso" estado de Israel. Sarcasmo mode: on